21/09/2016

Eu na Família de Militar - parte I [versão Brasileira]

A vida militar entrou na minha família quando eu tinha à volta de 10 anos de idade, com o ingresso do meu irmão mais velho na Academia da Força Aérea Brasileira. 
Naquela altura eu já gostava dos aviões e passava a maior parte do tempo a olhar para o céu quando ouvia aquele barulho característico das aeronaves. Tinha a sorte de morar em Brasília e muitas vezes era brindada com passagens do caça Mirage, colocado na Base Aérea de Anapólis, no Planalto Central do Brasil. Por aquela altura da minha vida não havia nenhum recurso tecnológico disponível que me pudesse permitir reconhecer outro avião. Na verdade, o Mirage era a única aeronave militar que eu conhecia de longe, pelo barulho característico que fazia.
Os aviões civis, comecei a reconhecê-los pelas constantes idas ao aeroporto de Brasília pois, visitar aquele espaço era um dos hobbies de domingo de muitas famílias Candangas. Tenho imensas fotos de infância no enorme terraço aberto ao público e que permitia uma visão única e privilegiada das descolagens e aterragens de todos os aviões que por ali passavam. Eu ainda era um pingente de pessoa mas adorava de paixão aquele barulho infernal dos aviões e era só vê-los a serem "estacionados" por alguém que para mim era muito próximo do super-homem. Só mais tarde, depois de casada é que percebi que os aviões não são para estacionar mas sim para taxiar e, é verdade, casei com o super-homem.
Eu, os meus pais e o meu irmão mais velho no Aeroporto de Brasília - Década de 70
Tendo em conta que a Academia da Força Aérea Brasileira está localizada em Pirassununga, uma distância de quase 800Km de Brasília, só via o meu irmão nas férias grandes.
O meu segundo contacto com a vida militar aconteceu quando eu tinha à volta de 15 anos e o meu outro irmão teve de ir cumprir o serviço militar obrigatório. Lembro-me que ele escolheu ir para os Fuzileiros Navais e foi. Esteve longe de casa uns valentes dias. Quase arrisco dizer que esteve incontactável mais de um mês antes de poder receber uma visita nossa. Antes de o irmos visitar ele ligou-nos de uma cabine telefónica pois, para os menos informados, não havia os facilitismos dos telemóveis como hoje em dia. O telefonema foi rápido porque uma chamada era cara e foi basicamente para dizer o dia e a hora da visita e ainda teve tempo para pedir para levarmos um pudim de leite condensado.
Para além de mim e dos meus pais não me lembro se a minha irmã também estava connosco. Chegados ao quartel dos Fuzileiros Navais tivemos de dar o nome do meu irmão. Foi nesta altura que percebi que o meu irmão era conhecido, oficialmente, pelo apelido (sobrenome) de família e não pelo nome próprio. Na FAB não era assim com o meu irmão mais velho e por isso achei piada quando chamaram pelo Soldado Alvarenga, utilizando o nosso nome de família. Foi fixe!
Chovia torrencialmente e foi-nos dada indicações para aguardarmos num local resguardado. Assim o fizemos e ficamos a observar os movimentos das outras famílias com os respectivos filhos. 
Começamos a ver de longe um rapaz a correr com a compleição física do meu irmão mas, tivemos dúvidas até ao momento em que ele chegou ao pé de nós. Era mesmo ele, mantinha o corpo atlético como sempre teve mas, estava com um ar abatido, com o camuflado encharcado da chuva e completamente careca. Acho que todos tivemos um choque inicial sobretudo, depois de o ver devorar em questão de minutos, o pudim que nos tinha pedido para levar. Era comer pudim às colheradas como eu nunca tinha visto na vida. 
Depois daquela fase inicial e quando o meu irmão regressou à casa, percebi que a tropa era coisa boa, muito boa mesmo. Como venho de uma família extremamente conservadora onde as meninas brincam de boneca e os meninos de carrinhos e blá, blá, blá, imaginem o que é ver o meu irmão fazer a cama como ninguém fazia lá em casa. Chegou a lavar e engomar a farda, coisa inimaginável naquela altura numa família como a minha. Aquilo era trabalho de mulher e, talvez por este motivo, nunca mais esqueci este episódio, foi lindo!
Para os mais distraídos na leitura deste texto, eu disse engomar e não passar a farda. É que nesta matéria de fardas os Fuzileiros eram super rigorosos e a farda tinha de levar goma para ficar com os vincos nos locais certos. 
Perguntam-me vocês, como é que eu sei isso? Porque em determinada altura negociamos a minha ajuda nesta árdua e minuciosa tarefa de engomar a bela da farda, tão simples quanto isso. Em contrapartida ele ofereceu-me um pólo lindo de morrer da Benetton que durou anos.
Acabada a experiência nos Fuzileiros o meu irmão concorreu para o Bombeiros Militares do Distrito Federal, entrou e neste momento é Coronel. Já esteve como operacional e responsável em várias operações de resgate no território brasileiro assim como internacional.
A minha quarta experiência estava a ser planeada em pormenor por mim e supostamente iria acontecer quando eu terminasse o meu curso superior em Educação Física. Iria ser uma experiência na primeira pessoa. 
Ao fim do 1.º ano do meu curso na universidade, casei e abracei o verdadeiro projecto da minha vida: a minha Família! 
Casei com um militar Português. 
O seguimento desta experiência de quase 30 anos com ele e, posteriormente, com as nossas filhas vai ter de ficar para outro dia...
...na parte II [versão Portuguesa].
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