Mãe...
A gigantesca distância que existe entre nós é meramente factual e tentarei nunca mais te julgar por isso.
Devo entretanto, dizer-te muito claramente que não tens culpa de nada, ninguém tem e ao mesmo tempo todos temos, acho eu. Trato-te por tu porque é assim o tratamento que eu e as minhas filhas temos umas com as outras. É carinhoso, mostra proximidade e sobretudo, a grande e síncera amizade que nos une como mãe e filhas.
Demorei imensos anos e julgo que foram os suficientes para escrever esta mensagem. Foi preciso que eu percebesse que as famílias não são perfeitas como eu pensava que eram quando tinha 15 anos, que eu pudesse perceber que as mães, não são todas iguais mesmo que eu teimasse em querer que minha fosse como eu sempre sonhei que fosse.
Contigo aprendi a interiorizar aprendizagens pessoais que me foram muito úteis quando fui mãe e é exactamente por este motivo que depois de estar longe tantos anos (física e sentimentalmente) me sinto fortemente compelida em escrever esta mensagem.
Julgo que te farei feliz se te disser que me lembro de alguns momentos felizes na nossa vivência, eles existiram e sabes que mais? Eu fui muito feliz. Não me recordo da festa do meu 1.º aniversário, apesar de haver fotos que o comprovem mas, lembro-me já bastante crescida de me deitar no teu colo por alguns momentos e sentir o teu cheiro. Nunca mais me esquecerei, foi mágico.
Contigo aprendi que quando eu fosse mãe das minhas filhas, tinha de falar com elas sobre todos os assuntos. Nunca na vida iria permitir que elas soubessem da menstruação pelas colegas da escola, como eu soube, que tivessem vergonha ou medo de falarem de qualquer assunto mesmo sabendo que eu me ia passar da cabeça com algum disparate que tivessem feito, não conceberia não lhes dizer que as amo várias vezes por dia e ouvir da voz delas a mesma expressão e sentimento. Eu tinha de fazer diferente daquilo que me aconteceu, eu tinha de mudar o filme pois, doutra forma, eu estaria a repetir uma película gasta pelo tempo. Julgo que esta é uma das lições a que me propus viver quando escolhi ser tua filha e só agora sinto-me em condições de expressar o meu agradecimento pelo facto de tudo o que eu vivi contigo me ter ajudado a ter crescido como mãe, como pessoa.
Até há pouco tempo eu não percebia a razão pela qual a nossa relação mãe/filha era tão estranha mas, agora percebo. Ambas tivemos de viver estas experiências para crescermos como seres humanos e para as nossas almas ficarem mais evoluídas.
Só consegui este género de aprendizagem porque prometi a mim própria ainda muito jovem que tentaria ser uma pessoa melhor, todos os dias da minha vida, custasse o que custasse.
Eu tive medo, medo que a nossa realidade mãe/filha fosse única no mundo, medo da incompreensão, medo das opiniões dos outros, medo das aparências, medo de deixar passar a oportunidade para te dizer que apesar de te amar imenso porque és a minha mãe, não podia permitir que me magoasses mais...e sabes mãe, o sofrimento e a angústia acaba exactamente quando tem de acabar, no momento certo.
Imagino que a tua infância não tenha sido fácil e não encontro outra explicação para tantas mágoas interiorizadas e tantos recalcamentos. Tenho pena que nunca tenhas tido a capacidade de desabafar connosco sobre aquilo que te apoquentou, teria sido muito mais fácil para todos nós. Teria sido menos penoso para ti...
Sou uma pessoa cheia de defeitos mas deves reconhecer que tentei, sempre, ser uma filha exemplar. Esta tentativa de agradar transformou-me numa pessoa muito exigente a nível pessoal, à procura da perfeição. É um defeito chato que não me permite levar a vida de forma descontraída.
Tentei fazer com que tivesses orgulho em mim como criança, jovem, estudante, mulher e, sabes mãe, não viverei mais na sombra de uma ilusão, não me permito sofrer mais um dia sem dizer-te que também tu não mereces sofrer.
Este ano perdi uma pessoa de quem eu gostava imenso e esta perda fez com que a minha perspectiva da vida se alterasse quase completamente.
Se calhar os meus irmãos não irão perceber patavina daquilo que aqui escrevo, dos sentimentos que carregam cada uma destas palavras mas, tenho a certeza que a mãe entenderá, tenho a certeza que sim.
Esta é uma conversa nossa e de quem souber interpretá-la de forma correcta. Não é uma conversa de cobrança, é na verdade um agradecimento pois, sou quem sou e agradeço-o com imenso orgulho a pessoa que sou, a ti, mãe.
Podemos ficar em paz uma com a outra? Se quiseres e te sentires confortável contigo própria, podes dizer baixinho só para o teu coração ouvir: Sim, filha. Podemos ficar em paz uma com a outra e sabes que mais? Eu te amo...
Para mim seria suficiente.